a doce morte da senhorita skinner

Esperando o fim, com um cigarro na mão. Assim acabou a vida da senhorita Skinner. Aos vinte e quatro anos, um derrame inundou seu cérebro de sangue. E ela morreu.

Seu último namorado chorou por dois dias. Depois parou, porque tinha que estudar para uma prova de cálculo da faculdade de engenharia. Nos intervalos dos estudos, ainda sentia porém a sua falta. Ela estivera portando-se como uma esposa perfeita nos últimos dois anos; de modo que ele a via sempre em relação ao modelo colhido do último filmezinho a que assistira. Senhorita Skinner sentia-se quase plena. Pensava por vezes em ter um filho.

Conheceram-se os dois no campus. Beijaram-se pela primeira vez após comer cada um um pedaço de pão com carne e condimentos coloridos artificialmente. Foi num bar, à tarde. Com sol. À noite, senhorita Skinner ficou enjoada. Vomitou. Tinha gosto amargo e azedo. Deveu escovar os dentes. E escovou.

Ficou insegura ao trocar as cadeiras da escola secundária pelas da faculdade. Seu cóccix formigava da rigidez áspera da superfície do assento. Aos poucos, porém, ele foi ficando confortável, à medida que começava senhorita Skinner a conseguir repetir as relações que mantinha com os antigos colegas. Após duas semanas de aula, a moça estava integrada a um grupo de meninas que guardavam seus livros e fichários numa pasta de couro da mesma marca que a sua. Conversavam sobre animais de estimação, hambúrgueres e absorventes. Senhorita Skinner alegrava-se exultante, e uma sensação doce de continuidade abraçava o seu peito. Foi nessa época que teve urticárias. Coçou. Coçava-as inclusive quando não tinha coceira. As marcas de suas unhas permaneceram ainda alguns meses sobre suas coxas. Depois sumiram.

Considerava-se a mocinha muito bem informada a respeito das etapas por que passava. Havia ganho de Natal da avó um livro que descrevia as fases da vida, as fases das fases da vida e as devidas implicações dessas sobre a sua rotina. Quando senhorita Skinner percebeu no papel higiênico a mancha vermelha, olhou-a a uma distância de meio metro. Botou fora o papel, em seguida. Agora não havia dúvida. Estava na fase cuja página ilustrava uma face jovem decorada com maquiagem colorida. Foi-lhe um alívio. Contava já a idade-limite máxima para receber tal sinal. E saiu para olhar as vitrines, agora sendo moça. Não sem antes comer um pedaço de chocolate, pois havia feito os cem abdominais recomendados pelo programa de variedades para pessoas que, como ela, tinham uma camada de alguns centímetros de gordura recobrindo o ventre.

Aos onze anos, a jovem senhorita Skinner descobriu que gostava de ouvir músicas, desde que essas tivessem um refrão que se repetisse no mínimo quatro vezes no decorrer dos três minutos e meio de duração. Encontrava-as em rádios, e foi sabendo com facilidade extraordinária quais as estações que as repetiam duas ou três vezes ao dia. Foi nessa época que senhorita Skinner comprou seus próprios álbuns, de onde poderia escutar as suas cançõezinhas e ter um momento de entretenimento relaxante após fazer os trabalhos para a escola. Nesses momentos, nadava em esquecimento; suas pernas gordas tremiam no compasso infalível que marcavam aquelas melodias. Lembrava dos passos jazzísticos do videoclipe, e o cadavérico tremer de pernas vestia-se de sensualidade genital. Mas só imaginariamente. A mãe, uma secretária executiva espírita seguidora da moral cristã, provavelmente faria o bravo franzir de sobrancelhas, resposta a toda atitude desviada da normalidade que a filha ousava.

Era fácil a rotina, pensava a menina. Tinha bem claro que, se agisse corretamente, sua boca provaria o doce inebriante do bem. Procurava manter-se longe daquilo a que não estava acostumada. Seu quarto de paredes cor-de-rosa encarnava o templo onde buscava a confortável referência de beleza que guiava suas horas longe da casa dos pais. Entre pequenos castigos e presentinhos caros, fazia-se o possível para que a pequena senhorita Skinner não percebesse o crescimento de seu corpo em centímetros.

Com cinco anos, senhorita Skinner já sabia lavar as mãos antes de cada refeição. Seu pai, um psiquiatra forense com doutorado em neuroquímica da memória, orgulhava-se do resultado de seu trabalho. Guardava numa gaveta de madeira um baralho de cartões. Cada uma das cartas tinha duas faces, onde palavras e desenhos correspondiam-se sobre um fundo branco. Na mesma gaveta, logo à direita dos calmantes da senhora Skinner, um saco de balas de morango. Acertando o nome impresso ao ver a imagem do verso, a pequenina senhorita Skinner podia deliciar-se com uma balinha, cuja acidez tinha o poder de elevar a sua salivação para um pré-planejado pico excitatório. Certa vez, ao ser-lhe mostrada a figura de uma tromba, a menina deu um passo à frente, e gritou: 'elefante!' Como penalidade, engraxou os sapatos de bico fino da mãe, postada entre lágrimas e a tela da televisão.

Sempre calada, a não ser quando ouvia o som da gaveta a abrir, senhorita Skinner não era levada em parques. Desde sempre concordou-se que ela não gostava desses ambientes, onde havia o risco permanente de ser contagiada por doenças, de cair das maiores alturas, de sujar as saias, de machucar os joelhos. Habituou-se a ficar em casa, entre bonecas e bonecos, com os quais brincava de sentá-los em fileiras e dar-lhes de comer. A presença de estranhos era contida por barragens resistentes. Com três anos, a senhorita Skinner tinha três objetos dos quais não podia se separar, sob nenhuma hipótese: um lençol, um travesseiro e uma lata vazia de leite em pó.

Recebeu a visita de três tias, duas avós e um primo que se vestia de preto. Desse último não conseguiu ver senão um rastro. Vozes finas habitavam os seus ouvidos desde que esses se abriram, no quarto dia de vida. Antes disso, conheceu o quarto que os pais lhe haviam comprado, e os detalhes coloridos que haviam colado na janela fechada. Senhorita Skinner foi amamentada em quatro horários regulares, e assim se repetiu durante dois meses e meio. Teve aftas nos dois cantos da boca; elas ardiam quando chorava.

O branco da sala cirúrgica lhe doeu nos olhos. Nasceu.