caught a lite sneeze

O estímulo estético obtém como resposta, por parte do espectador, uma compreensão de sentido individualmente sobredeterminada, o que caracteriza a obra de arte como fundalmentalmente ambígua. Cada fruição artística é, ao mesmo tempo, interpretação e execução. Movimentos nascem e morrem, e vê-se na prática que nunca se repetem. A dança ganha uma nuance de morte cravada na própria carne.

Cada interpretação dá uma perspectiva original à obra de arte; a pluralidade de sentidos pressuposta na obra existe graças à assistência. Aos espectadores. Os sentidos não estão dispostos em prateleiras de supermercado para que se pegue e compre e absorva. A ambigüidade não está na obra. A obra é só aparência, afinal; porém uma casca oca capaz de vestir de peles nobres seu senhor, o espectador. A forma definitiva sempre será moldada na superfície da alteridade, da platéia. Perceber uma obra abarca um olhar que vê, mais do que um objeto qualquer, uma maneira especial de ver. Desse ponto de vista (aliás com bastante conseqüências cotidianas), olhar uma tela não é muito diferente de olhar-se no espelho.

Na tela de um pintor espanhol (Velásquez, Las meninas), um outro pintor olha para o que seria a 'frente' da cena representada. Ele pinta uma tela, que na tela real aparece de costas. Ninguém pode conhecer o conteúdo dos traços que o pintor faz, inspirando-se provavelmente em nós: a imagem que vê à frente. O espaço que ocupa o espectador é duplamente transtornado: eu devo olhar, e olhando eu vejo que sou olhado. Ganha-se natureza prismático-especular. Essa cidade me atravessa.

Uma atmosfera única envolve espectador e espetáculo. Instituem-se ares incomuns e irrepetíveis, onde nadam os corpos daqueles que dançam e daqueles que assistem. A ocasião artística do espetáculo faz precipitar-se uma mistura de duas substâncias altamente reagentes. Reação irreversível. Explosão. Morte.

Indescritível, porém perceptível. Pois o atravessamento só se completa no instante em que os vapores etéreos saem em forma de palavras, movimentos ou líquidos corpóreos. Sopros bêbados em vermelhos e amarelos impostos a um fundo negro. Corruptas marcas em peles que sangram e gozam, saindo de si mesmas.