noir désir

My body is under construction. Minhas pernas mudam no decorrer de uma semana. Não que eu as use para atividades penosamente sudoríferas, afinal não sou um cavalo de corrida. Eu quero a percepção da pendularidade do movimento; de como o chão é capaz de puxar um pobre corpo de carne, coração e palavras. Por palavras, entenda-se sangue.

O sangue de quem escreve, a quem pertence esse sangue? Quem além de mim fala pela minha boca? Duvido um pouco de que alguma parte do meu vômito consista do sangue do meu estômago. Até mesmo se lá houver a tão aguardada mancha vermelha, essa mesma já foi uma dia engolida. Conclui-se que ao lado de fora é que pertence o sangue. Porque a transformação de vinho em sangue acontece todos os dias, e o operador desse milagre banal é fisiológico. Nunca pensei que o processamento digestivo fosse enfim fundamental.

A arte não é exclusividade dos artistas. A coisa não está contida na palavra que a denomina. Quantos mundos são criados a cada frase dita? O que realmente descobriu o cientista que descreveu a gap junction, ou junção comunicante? New love - a boy and girl are talking / New words - that only they can share in / New words - a love so strong it tears their hearts / To sleep - through the fleeting hours of morning (Bowie, Soul love) Sobre a folha escrita, entre o diálogo sussurrado. É onde projeta-se o holograma fantasmagórico, composto das verdadeiras coisas a que as palavras se referem.

Num retorno eterno, é sempre um vazio transparente o que se vê entre as letras assassinas. Como um buraco que não pode ser preenchido, como um buraco sem fundo onde coisas caem. Um buraco cujas bordas sangram palavras. Um buraco com pernas.