olho-garganta

Toda a doença do mundo está aqui. Toda o todo, completo e sem faltas, aqui, comigo, deitada ao meu lado e fundida no meu corpo. Aconchegados, envolvemo-nos as pernas, os braços, até restarem apenas manchas róseas e negras: nós misturados.

A nódoa inflamada, garganta afogada em pus e dor-prazer cortante que tira-me o sono. A febril relação com o todo, a doentia percepção do inteiro, a nítida noção enganosa da unidade. Contra isso, alguns cortes são necessários, algumas injeções pontiagudas e doloridas, variando o lado da picada para não sobrecarregar uma das nádegas. Palavras milagrosas sobre ouvidos desejosos, eis a essência dialética da cura. Orelhas engolidas por frases de efeito, os olhos da morte transubstanciados em denso óleo negro, elixir da vida curta. Come on, die young.

Morte simbólica e diametralmente oposta à do corpo físico. Um sopro sutil na direção do deixar de ser, rumo ao vir a ser. De repente, os velhos-empoeirados carpetes são arrancados com a força de braços que querem dar coceira aos olhos. Secos de alteridades, dois globos famintos bebem a poeira do vento que se levanta. Olhos pendurados em órbitas circulares que marcam o espaço com o repetitivo trajeto do Mesmo.

No meio do trajeto, um passageiro pergunta, assustado: o que é isso? sobre que matéria escreve você? que imagens são essas? Ao que respondo que nada passa de instrumentação linguística precisamente apontada à bolha metafórica em cujas entranhas pastosas esperam todos os sangues da próxima experimentação pela explosão muda de sua transmissão-contágio. Aqui nenhuma palavra explica; as imagens são dotadas, aqui, da aberrante capacidade de serem vistas e verem no momento exato em que pulam do plano alfabético aos dezesseis milímetros de uma memória tumultuada. E o que elas vêem, por favor não se assuste, são não menos que as obscuras retinas dessas orbes mesmas que lhes espreme o sentido. Acostume-se, meu jovem, a ler e ainda ser lido pelo que lê.