trabalho poético-corporal
Para frente e para trás: caminhada cotidiana;
A coxa ideal, planejada e repetida,
Mata todas as coxas inesperadas e ruidosas e sanguinolentas;
Move-se (-se a si mesma) sobre um mesmo eixo;
Circulariza impiedosamente o trajeto;
Imobiliza os órgãos pulsantes ao redor;
Corta as crianças ao meio.
"O cérebro é um órgão imóvel",
Diz o professor de anatomia,
"Ele nada mergulhado em um líquido viscoso que renova-se todos os dias,
Mas permanece sempre com a mesma fórmula."
"Ontem eu fumei sete cigarros amarelos",
Diz o toxicômano de identidade,
"Gostaria que meus dentes ficassem também amarelos, e meus pulmões e minhas costas,
e é bem fácil: é só acender e colocar na boca."
"Nosso objetivo é prever e controlar a realidade",
Diz a behaviorista de olhos arregalados,
"Meu sonho é achar pronto na natureza um manual
Com os mil e duzentos comportamentos mais freqüentes,
Memorizá-los todos e virar um híbrido de animal e máquina."
"Não é justo dançar enquanto muitos seguem se arrastando",
questiona-se a bailarina,
enquanto desgruda a pele das pernas,
Tocando com as mãos a ponta dos pezinhos cobertos de preto;
E pega um joelho para levá-lo ao ombro.
"Para dançar, eu preciso de soltura de virilha."